Revista Oeste: A CULPA É DOS OUTROS

10/02/2023 10:57

A CULPA É DOS OUTROS

Quarenta dias depois da posse, Lula e seus auxiliares investem na agenda ideológica ultrapassada e nos discursos revanchistas e esquecem de governar

Por Sílvio Navarro – Revista Oeste

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez 14 discursos desde que voltou ao poder, no primeiro dia do ano. Já falou para plateias no exterior, para governadores, sindicalistas, na abertura do Ano Judiciário e no plenário do Congresso Nacional. Sua mensagem fica cada dia mais clara: Lula não quer trégua.

Todas as falas públicas do presidente estão disponíveis no acervo digital do Palácio do Planalto. Oeste produziu uma planilha com as palavras utilizadas — e contou quantas aparecem à exaustão. Há mais de 30 citações a “ricos e pobres” e oito vezes a ladainha de que “um grupo do andar de cima vive da exploração do proletariado”. Os termos “golpe” e “golpista” também encabeçam o ranking de palavras, junto de um arsenal de adjetivos para desqualificar o antecessor, Jair Bolsonaro.

Há uma enorme variedade e emprego do verbo mentir e suas variações. Aparecem 24 vezes, portanto, mais de uma vez por discurso: “Das mentiras fabricadas contra o PT, a mentira do impeachment de Dilma Rousseff e a fábrica de mentiras que se criou neste país”. Por outro lado, não há uma única menção até agora à corrupção, marca indelével da era petista.

impeachment de dilma

A ex-presidente Dilma Rousseff, durante sessão do impeachment no Senado Federal (2016) | Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

A escolha do palavrório é autoexplicativa: Lula pretende usar seu mandato para uma revanche contra o campo político que derrotou o PT nas urnas em 2018 — e por muito pouco não repetiu o desempenho no ano passado — e as novas bancadas robustas de conservadores no Congresso. Ao adotar a linha vingativa, o petista também inflama a militância de esquerda nas redes sociais — muito mais ativas e organizadas desde o ano passado — e parte das redações da velha imprensa. É possível que, mesmo com o anúncio do fim do consórcio de mídia, as paixões políticas ainda demorem um pouco para se aquietar — pelo menos até a fixação por Bolsonaro passar.

A cronologia dessa agenda revanchista começou logo depois da vitória de Jair Bolsonaro, em 2018, por um grupo de advogados. Eles formaram um movimento batizado de “Prerrogativas”. A intenção era minar os sete anos de trabalho da Operação Lava Jato, reabilitar juridicamente Lula e ajudar o cartel de empreiteiras do Petrolão. O grupo obteve sucesso nos Tribunais Superiores. Contudo, decidiu não cessar fogo e apoiou a campanha “Sem Anistia”, para perseguir Bolsonaro e seus apoiadores. Os líderes informais do grupo são o ministro da Justiça, Flávio Dino, e seu principal auxiliar, o secretário nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho, ex-advogado da Odebrecht.

“Não se trata de perseguição. Não podemos baixar a guarda para lavajatistas. Sabemos o que fizeram com o país, deixaram um rastro de destruição e de miséria” (Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Prerrogativas, ao jornal Folha de S.Paulo)

Foto: Reprodução Folha de S.Paulo

Jurassic Park

Nesta semana, um dos expoentes das ideias fossilizadas do PT, Aloizio Mercadante, recorreu ao bordão de vingança “Sem Anistia” em sua posse no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “O respeito à soberania do voto, às instituições democráticas e à Constituição é uma exigência fundamental para a nova diretoria do BNDES e para toda a sociedade brasileira. Desta vez, presidente Lula, sem anistia.”

Reprovado nas urnas depois de 2002, Mercadante cuidava do projeto arcaico da Fundação Perseu Abramo. Na virada do ano, Lula conseguiu rasgar a Lei das Estatais para colocá-lo à frente do BNDES. O aliado tem a missão de cumprir uma das ameaças de campanha: usar o banco público para financiar países de esquerda que faliram desde que o PT saiu do poder. A embalagem é que se trata do resgate da ideologia bolivariana de união da América Latina contra o “imperialismo estadunidense”.

Lula ainda recorreu à narrativa absurda de afirmar que as ditaduras de Cuba e da Venezuela deram calote no BNDES porque não gostavam de Bolsonaro. Mais uma vez não houve nenhuma menção à corrupção descoberta pela Lava Jato ou à “garantia” de empréstimos firmada com lastro de charutos cubanos. Ou o que aconteceu com o dinheiro que foi parar em Caracas.

Foto: Montagem Revista Oeste/Wikimedia Commons/Shutterstock

Pelo contrário, Lula fez um malabarismo retórico e deu um jeito de, mais uma vez, envergar seu discurso para a luta imaginária de classes e — pior — conseguiu misturá-la aos atos de vandalismo ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro. “O que aconteceu no Palácio do Planalto, no Congresso e no STF foi uma revolta dos ricos que perderam as eleições. Nós não podemos brincar, porque um dia o povo pobre pode se cansar de ser pobre e fazer as coisas mudarem neste país.”

A leitura das falas oficiais do petista neste ano é uma verdadeira viagem no tempo. Em vários momentos, Lula parece estacionado no discurso de chão de fábrica da criação do PT, na virada dos anos 1980 — taxar fortunas, aumentar salários e punir os patrões. Em outras, lembra o candidato à Presidência na campanha de 1989 — reverter privatizações e a autonomia do Banco Central, inchar o Estado gastador, e até já flerta com a ideia de imprimir dinheiro.

Cartaz da campanha de Lula em 1989 | Foto: arquivo do Centro Sérgio Buarque de Holanda

O alvo da vez é o executivo Roberto Campos Neto, a quem se referiu como “esse cidadão”. O petista chegou até a errar a taxa básica de juros — falou em 13,5%, em vez de 13,75%. Mas, para Lula, pouco importa. A ideia era mesmo encerrar o discurso ao seu estilo messiânico: “Quando o Banco Central era dependente de mim…”

Lula tenta se antecipar ao desastre econômico que está no horizonte com sua agenda jurássica. Quer empurrar o problema para o chefe do Banco Central, único nome de peso que não foi indicado por ele. Afinal, com o PT sempre foi assim: a culpa é dos outros.

Cartaz da campanha de Lula em 1989 | Foto: arquivo do Centro Sérgio Buarque de Holanda