A tragédia no litoral norte de São Paulo está entre os destaques

24/02/2023 16:08

CARTA AO LEITOR

A tragédia no litoral norte de São Paulo está entre os destaques desta edição

Redação – Revista Oeste

Além de muito calor, outra certeza acompanha a chegada de todo verão brasileiro: vai chover. Na capital paulista, a temperatura de nove entre dez fins de tarde é abrandada pela chuva torrencial que raramente dura mais de meia hora. A situação se repete no interior, no litoral e em quase todo o país. Mas o que houve no último 18 de fevereiro foi decididamente incomum.

Uma chuva torrencial caiu ininterruptamente não por poucos minutos, mas por várias horas. Os 50 milímetros de água considerados normais para a região subiram para 600 milímetros — isso equivale a despejar 30 galões de 20 litros em cada metro quadrado das cidades de São Sebastião, Caraguatatuba, Ilhabela, Ubatuba e Bertioga. Assim começou em escala ampliada a reprise do inferno aquático materializado em anos anteriores: deslizamentos de morros, casas destruídas e estradas em escombros. Até a manhã desta sexta-feira, cerca de 50 pessoas haviam morrido e mais de 40 estão desaparecidas.

Na reportagem de capa desta edição, o repórter Edilson Salgueiro conta que a Defesa Civil decretou estado de calamidade pública no domingo 19, e o governador Tarcísio Gomes de Freitas solicitou o apoio das Forças Armadas. “O Comando Militar do Sudeste disponibilizou aeronaves para socorrer as vítimas, enquanto os técnicos do Batalhão de Engenharia de Pindamonhangaba trabalharam para desobstruir a Rio–Santos.” Desde então, doações não param de chegar, e o país inteiro procura meios de amenizar a dor das incontáveis vítimas.


O governador Tarcísio de Freitas e equipe planejam ações para recuperar as regiões afetadas com a chuva no litoral norte de São Paulo | Foto: Daniela Andrade/PMSS

Não falta quem insista em culpar o suspeito de sempre: o aquecimento global. A verdade é que esta é outra tragédia mais que anunciada. Há 11 anos, também num 19 de fevereiro, publiquei na revista Veja uma reportagem sobre a situação da região serrana do Rio de Janeiro um mês depois do apavorante drama igualmente provocado pelas chuvas de verão. Naquele momento, só em Teresópolis ainda havia mais de 9 mil desalojados e quase 7 mil desabrigados. A contagem dos mortos se aproximava das 900 vítimas. Trecho do relato:

“Um mês depois da tragédia que devastou a região serrana do Rio de Janeiro, as feridas continuam abertas — e demorarão muito tempo para desaparecer. Amainado o fervor dos voluntários, interrompido o fluxo das doações às toneladas, as vítimas dos deslizamentos dependem quase que integralmente dos próprios recursos ou da ajuda dos vizinhos. Nada foi resolvido. A segunda etapa do trabalho, tão penosa e problemática quanto a primeira, começa agora, justamente no momento em que os horrores da catástrofe já não estão no centro das atenções do país. 

Teoricamente, boa parte do dinheiro dos governos federal, estadual e municipais já foi liberada. Na prática, nenhum centavo chegou ao bolso de um morador da região. Teoricamente, todos estão bem alimentados com cestas básicas. Na prática, muitos não têm água para cozinhar o que ganharam. Teoricamente, o cadastramento para o aluguel social está quase totalmente concluído. Na prática, não há casas para todos. Teoricamente, um terreno foi desapropriado para a construção de 2.500 moradias. Na prática, um empreendimento dessa magnitude demorará no mínimo um ano para ser erguido. Teoricamente, os mortos estão quase todos sepultados. Na prática, corpos são retirados diariamente do meio da lama e enviados a IMLs improvisados para serem submetidos a testes de DNA — única forma de identificá-los 30 dias depois da tragédia. 

Embora as máquinas funcionem ininterruptamente — inclusive nos fins de semana — para remover lama e entulho, nos bairros da periferia, por causa da quantidade de barro, o chão ainda está dois metros acima do normal. O cheiro de podre é insuportável e as rochas que deslizaram morro abaixo deixaram para trás uma paisagem lunar, com pedregulhos e crateras no lugar das casas”. 

Esses e outros episódios mostram que a ocupação irregular do solo e o descaso do poder público com moradias e infraestrutura, embora não sejam a causa das tempestades, com certeza podem ser responsabilizados pelo número alarmante de perdas humanas e materiais. Não custa reiterar que, além de muito calor, uma coisa é certa no próximo verão: vai chover — e vários temporais serão muito fortes.

 

Boa leitura.

Branca Nunes

Diretora de Redação